Porque escrevo

Sempre disse que gosto de escrever. Sempre é muito tempo, eu sei. Sou tão cautelosa com essa palavra que raramente a recolho nas minhas garimpagens. Quando a encontro, eu a devolvo à mina, por cuidado. Sempre não costuma ser tão linear como sugere nem como gostaríamos. Mas, nesse contexto, expressa a verdade com perfeição incomum, a roupa cabe certinha, sem sobra nem aperto. Digo isso desde criança, embora às vezes sinta que é como se eu dissesse desde antes. Desde sempre.

Escrever é meu trabalho mais lúdico. Meu jeito preferido de prece. Minha maneira predileta de levar o coração pra pegar sol. Minha varanda com vista pra vida. Meu vôo sem asas. Meu instante de dançar com Deus. O remédio que eu não compro na farmácia. A mágica que faço sem saber explicar como acontece. É uma dádiva que recebo quando jogo a minha rede no mar à procura de alimento. É amor antigo que não envelhece, o frescor tem muito a ver com o sentimento.

O trabalho feito com o coração nos envolve de tal forma que a gente não sente o tempo passar, faz lembrar da atmosfera do lugar que habitamos quando estamos na companhia de quem amamos. O entendimento conceitual se dissolve e tudo se torna, misteriosamente, maior. A felicidade cria espaço. Os ponteiros percorrem inúmeras vezes o trajeto do relógio, mas é como se vivêssemos num tempo paralelo. Lá, onde não cabem medições. O corpo pode até ficar cansado, mas o cansaço parece ser descanso. O corpo pode até desafinar, mas a vida continua a querer dizer seu canto.

O trabalho feito com o coração é um chamado que não dá para deixarmos de ouvir. Para fazer de conta que não é com a gente. Podemos sair por aí para procurá-lo, mas é ele que nos encontra, é ele que nos escolhe. E quando o encontro acontece, e a ficha cai, e a consciência revela, é complicado fugir. Como podemos nos afastar do que nos aproxima de nós? Do que nos realinha com o amor? Escrever, pra mim, é esse trabalho. Um trabalho que faço com o coração.

Escrever é um desafio que reinauguro toda vez que ouço o chamado e as condições me permitem atendê-lo. Raramente acontece com a facilidade tantas vezes presumida por quem lê. Posso passar horas trabalhando na lapidação de um único texto. Virar madrugadas inteiras, como várias vezes virei. Depois dormir duas, três horas apenas, mas feliz da vida, energizada. Posso até, por cansaço, querer sair desse lugar antes do coração se dizer satisfeito, mas quem disse que ele deixa?

A idéia, na sua forma bruta, costuma demorar pouco tempo para ser derramada, mas para aprimorá-la é preciso trabalho, novelos de paciência, um jeito todo nosso de bordar, olhos despreocupados com o relógio. O desafio não é somente encontrar palavras que caibam, muitas delas são perfeitamente cabíveis. O desafio é encontrar aquelas que tem a ver com o clima, a música, a cadência, o bordado. Angustia e é puro entusiasmo. E eu não saberia descrever com palavras, nem mesmo com as mais preciosas que garimpo, a emoção que é sentir um texto pronto.

Um dia desses, ao dizer para alguém que eu gostava de escrever, a frase tropeçou no meu ouvido pela primeira vez, pediu o meu olhar. Ela é correta, não há nada de errado com ela, nenhum equívoco, apenas têm os braços curtos demais para abraçar esse meu sentimento. Também gosto de bicicleta, de pudim de leite, de caminhar na beira da praia, de jogar frescobol, de quiabo ensopadinho, de dezenas de outras coisas, mas nenhuma delas mora na mesma rua onde vive o meu chamado por escrever.

Eu escrevo porque a alma pede. Escrevo pra me passar a limpo. Escrevo para dizer pra mim. Para levar minhas emoções pra passear. Para sintonizar com a luz e me entender melhor com as sombras. Escrevo para brincar de roda com quem quiser brincar comigo. Escrevo pelo que sei e por tudo aquilo que eu não posso alcançar com o meu entendimento. Mas, de verdade, eu não escrevo somente porque gosto. Eu escrevo, sobretudo, porque preciso.
Ana Jácomo

Perfeito...sempre perfeito ! 
 ( Ana Jácomo escreve tudo oque vai em minha alma )

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